A Fidestra com o apoio da Federação dos Trabalhadores Democrata – Cristãos, realizou mais um Seminário sobre questões laborais actuais. Coube-me a mim ser o Relator do Primeiro Painel que versava sobre a pertinência do tema do grupo de trabalho, objectivos a alcançar, apresentação das organizações, expectativas e contributos das mesmas para o debate.
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Como era objectivo lançar os trabalhos do dia seguinte, apontei caminhos que poderiam ter interesse para os trabalhos que se seguiam e que agora partilho aqui.
Os primeiros anos do século XXI têm trazido diferentes abordagens às relações laborais entre os diversos actores. Se por um lado os países ditos emergentes estão em busca do modelo que melhor se perfila aos seus objectivos enquanto sociedade, há ainda outros - os em via de desenvolvimento - que estão a dar os primeiros passos na obtenção de direitos e deveres entre as partes que compõem o "teatro laboral". No mundo ocidental o confronto entre dois modelos antagónicos parece eminente. O triunfo de um modelo libertário de estilo Nozickiano parece óbvio face a uma Europa que no pós guerra construiu um modelo social com base em políticas humanistas e personalistas cuja matriz do socialismo democrático, social-democracia, mas mormente a democracia cristã acabou por sedimentar.
A crise financeira do "sub prime " subtraiu dinheiro à economia real. Os investimentos adiados ou a falta de projectos de impulso à economia trouxe reduzidos crescimentos na Zona Euro que contaminou a confiança e deu espaço a políticas assentes na austeridade logo após o forte endividamento dos Estados que, numa tentativa de substituição dos agentes económicos, experimentaram " receitas antigas " para problemas recentes.
A necessidade tornada urgente de fazer face ao cumprimento das responsabilidades decorrentes das dívidas soberanas, entrou pelo "osso" dos direitos que se julgavam adquiridos e imutáveis do contrato social estabelecido entre os trabalhadores, empresários e os Estados com a fatia de leão no tocante aos esforços a caber sobretudo aos primeiros. Neste contexto, trabalhadores que se viram na condição de desempregados foram imensos; outros que viram reduzidos os seus salários quer em funções públicas como privadas, também não faltaram; e aumentou o leque dos que trabalhando decaíram à condição de pobreza. As "classes médias " encurtaram e quem ficou dentro do sistema passou a trabalhar mais horas com menos vínculos, direitos e sobretudo segurança. As tensões aumentaram e percepcionou-se - pela primeira vez - que um modelo sólido e de paz construído na Europa cujo compromisso intergeracional gerou uma solidariedade quase inquestionável estava, ou está, posto em causa.
Quando se fala em novos modelos nas relações laborais, pelo menos na Europa, no fundo, busca-se paradigmas instrumentais diferentes que resultem no mesmo fim, i.e um equilíbrio social que permita ao ser humano manter a sua dignificação independentemente de ocupar a posição de empresário ou de trabalhador, sendo que ao Estado - enquanto gestor de recursos para compromissos sociais nas jubilações - não faltem mecanismos para o respectivo cumprimento.
Claro está que a componente programática e ideológica é absolutamente fundamental para definir que caminhos a percorrer; e que as diferentes Teorias da Justiça conduzem a resultados mais ou menos ajustados em função das perspectivas de equilíbrio, ou não, que cada uma venha a defender. Na verdade, libertários, utilitaristas, igualitaristas, comunitaristas e outros, começam a propor modelos para responder a uma era globalizada que traz também novas concepções face a uma digitalização crescente dos instrumentos de trabalho.
Cabe pois às organizações de cariz democrata cristão que baseiam a sua posição ideológica e porque não acrescentar, doutrinária - na Doutrina Social da Igreja Católica, o papel de produzir pensamento sócio - político que traduza a preservação de um modelo de sociedade em que o Homem (nas suas diferentes dimensões) ocupe o lugar central de toda a actividade nesta "Casa Comum ". Às organizações de trabalhadores ainda mais, já que - parece, que os partidos herdeiros da componente social cristã, pelo menos na ação mais evidente, colocaram em segundo plano a sua base matricial, para atender ao imediatismo de outros interesses que desregulam e tiram poder semântico a palavras como compromisso, partilha ou como diz o Papa Francisco << condividir>> já que os dados mais recentes apontam, por exemplo, para uma concentração acumulada da riqueza mundial em 1% da população face aos restantes 99%.
Quando André Gorz nas suas "Metamorfoses do Trabalho " lançava um olhar retrospectivo sobre as sociedades até ao século XVIII (agrícola) daí ao século XX (industrial) e prospectivo já no século XXI (dos serviços e digital) motivava claramente para uma discussão sobre o avanço tecnológico, a produtividade, a automatização das tarefas humanas que Lewis Mumford nas suas pertinentes referências ao estudo geográfico e urbano (como destacou o Sr. Vereador de Sintra e também Maria Reina) e a sua "Mega Máquina ", puseram o foco nos investimentos (onde) na produtividade (como) e no sentido do humano ante a sua nova condição "espacio temporal". Não por acaso Jonh M. Keynes, num texto originalmente intitulado "Economic Possibilities for our Grandchildren", aventou a possibilidade da riqueza média das famílias, no "mundo ocidental" bem entendido, aumentar quatro vezes, ao passo que o horário de trabalho (estamos a falar dos finais dos anos 20 e inícios dos anos 30 do século XX) à época nas 60h, reduziria para 1/4. Se é certo que os mais recentes estudos académicos apontam para uma aproximação real na comparação do PIB para que os rendimentos estejam bem próximos deste presságio, já o horário de trabalho não acompanhou o mesmo ritmo muito embora o avanço tecnológico tenha superado toda e qualquer expectativa.
Se é um facto que o trabalho é um instrumento para promover a dignidade do Homem, como afirmava João Paulo II e que Guilherme Teixeira relembrou durante o painel de discussão, também não é menos verdade que o sentido de vida do Homem enquanto detentor de um maior tempo disponível, face ao avanço tecnológico, inspira soluções que possam apontar para diferentes modelos de sociedade que estão neste preciso momento em discussão. Se, por exemplo, atendermos que em Utrech, na Holanda, um projecto piloto dará aos cidadãos, pelo simples facto de o serem, um rendimento básico mensal de 892€ num claro mecanismo de pre - distribuição de rendimentos, o espaço que sobra para repensar o impacte desta medida no mundo laboral, certamente dará sentido a que organizações que professam um entendimento de sociedade baseada na Doutrina Social da Igreja possam refletir profundamente sobre o seu papel nas relações humanas e laborais.
Todas estas transformações colocam o mundo de hoje em patamares de entendimento diferenciados face às respostas que Leão XIII deu no século XIX - com a encíclica Rerum Novarum - aos problemas do Homem ante a propriedade - dos meios de produção e não só - e à dignidade (sua e da família enquanto núcleo antropológico fundamental da sociedade humana) deste na sua condição de trabalhador. A opção foi clara, o personalismo em contraponto ao coletivismo; a aproximação de pessoas e organizações (sobretudo as representativas dos trabalhadores em diálogo com os detentores dos meios de produção) ao invés da tão "marxista " luta de classes. A "legislação " por este produzida, confirmada por Pio XI na encíclica Quadragesimo Anno, sedimentada pelo Concílio Vaticano II e mais recentemente agregada no Compêndio da Doutrina Social da Igreja apontou claramente para um sentido próprio onde a preocupação incidia na família, na vida económica (trabalho humano) social, cultural e política do Homem; nas relações internacionais sobretudo no que comporta à promoção da paz mundial e mais recentemente na salvaguarda do património natural e ambiental.
Ora, todas estas questões foram superiormente colocadas pelas várias organizações oriundas de países com realidades tão peculiares como Bélgica, Polónia, Itália, Espanha e Portugal tal como pedido pelo moderador Joseph Calvo, ou seja, com especificidades práticas e próprias de quem, participando na vida das organizações que se constituem como parceiros sociais e que ademais têm uma matriz comum, produzam " esquissos" capazes de apontar caminhos "materiais" das orientações que dimanam do fio condutor que, com propriedade, SS o Papa Francisco tem reproduzido nas suas comunicações públicas.
Quando são apontadas preocupações como as que foram sendo escorreitamente proferidas por Fernando Moura e Silva, Piergiorgio Sciacqua, J. Mozolewski entre outros, quanto ao diálogo e concertação social, às diferenças entre os mercados laborais no mundo ocidental e nos países emergentes; à participação dos diversos atores; à informação e consciencialização dos trabalhadores; moderação do expansionismo liberal; a necessidade de convénios e compromissos; respostas à crise dos refugiados e por fim à importância do papel das organizações sindicais e laborais na representação e influência junto das instituições decisoras do futuro coletivo, tornou esta jornada de intensa reflexão, durante este Seminário, que adoptou o sistema mais pragmático de grupo de trabalho, produtiva e motivadora de ações futuras que alicercem como desiderato último a estabilidade, qualidade e dignidade do trabalho do Homem e da sua nova relação com o tempo e o espaço na era global e digital.
A afirmação da democracia cristã enquanto ideologia precursora da Doutrina Social da Igreja assume, pois, um quadro de referência fundamental para responder a todas estas problemáticas.
Bem Vistas as Coisas, face à imanente transformação tecnológica os caminhos para atingir novos modelos de relação laboral para a obtenção de um trabalho digno, com qualidade e duradouro tornam-se prementes num quadro de compromisso social.
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