Jerimy Bentham, filosofo inglês das luzes e para muitos um dos precursores do utilitarismo enquanto teoria política, idealizou o designado panóptico. Trata-se, não menos do que - uma infraestrutura presidiária modelar construída de raiz em forma circular e com especificidades de construção próprias que não vou aqui detalhar por haver suficiente literatura, que visava, no essencial, um absoluto controlo deste tipo de instituições sociais totais, sobre os utentes, dando primazia ao “inspetor”.
Será bom recordar que Bentham tinha propósitos reformadores da sociedade da época (séculos XVIII e XIX) numa filosofia marcadamente moral, sistemática e normativa que – sem grandes hiperbolismos – podemos até dizer, reguladora dos costumes.
O panóptico foi – por essa via – uma consequência natural da teorização à prática. Construído, o modelo infra-estrutural, obedecia a princípios filosóficos específicos. A ideia subjacente era a de que seria o modelo que garantiria melhor que os inspetores pudessem “ver sem que fossem vistos”. Uma das grandes vantagens que o filósofo apontava a este tipo de equipamento, seria o poder concentrado na figura do inspetor, uma vez que ele possuiria uma aparência de omnipresença sem que sua presença real fosse necessária. Outra “virtude” era a de ser apenas necessário um inspetor para “controlar” todo o complexo, trazendo grandes poupanças na administração institucional do cárcere. Desta forma, visava-se a edificação de um local que criasse sujeitos obedientes sem necessidade de grande coerção física. Bentham pretendia transformar, ainda, locais barulhentos, como as prisões, em locais higiénicos e organizados para promover a correção do indivíduo.
Este modelo teve adeptos em Portugal. O arquitecto José Maria Nepomuceno acabou por inscrever o seu nome na historiografia arquitetónica portuguesa ao conceber o Pavilhão de Segurança, em 1896, do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (Miguel Bombarda) que fora delineado para enfermaria – prisão, de doentes mentais, condenados ou inimputáveis, como o “panóptico português”. Aliás é bem descrito por Vítor Albuquerque Freire no seu livro: Panóptico, Vanguardista e Ignorado.
Longe estaria eu de pensar que vogavam ideias “panópticas” pelo Convento de Santa Clara numa espécie de “paredes estendidas” ao jeito do que Bentham chamava de “Repartições Prolongadas”. A verdade é que fomos recentemente confrontados, em reunião do executivo municipal, com uma proposta socialista que em tudo é similar a estas ideias do filósofo; trata-se do Regulamento de Gestão de Resíduos que inscreve um tarifário discricionário e indexado à produção de lixo pelas famílias vimaranenses, taxando-as fortemente, começando a “experiência” pelo Centro Histórico de Guimarães. “Fiscalidade(s) Verde(s)”!
O Vereador do CDS no município alertou e bem para o possível <<devassamento da vida das pessoas>> e para que <<No limite poder-se-á saber que tipo de resíduos cada pessoa produz>>.
O Eng.º Monteiro de Castro nesta intervenção defende uma ética quase Weberiana e que no fundo sustenta que se acautele contra a despersonalização do humano e da sua consciência individual que uma medida “vigilante” deste tipo (dita racional) pode incorporar, defendendo o indivíduo e o seu direito à privacidade, já que, está prevista a quantificação e descrição do tipo de matérias a reciclar.
Não se pode confundir sensibilização, formação/educação ambiental, controlo poluidor e medidas enérgicas para “esverdear” o concelho, com punição, hiper-regulamentação, taxação e margem suficiente para uma “tentadora” violação da liberdade do indivíduo e do seu direito reservado à privacidade dos produtos que consome e que necessariamente têm de ser reciclados e tratados. É, uma vez mais, um raciocínio Benthaniano agregado à Teoria da Pena, que, em última análise, corresponde regulamentarmente aos doze critérios por ele preconizados mas, neste caso concreto, com um único preceito associado: prevenção negativa e intimidatória por via da ameaça de impostos.
Michel Foucault, já no século XX, no seu livro Vigiar e Punir apontava para uma teoria da punição mais dócil, burocratizada e institucionalizada que no fundo revelava a mudança de paradigma em que o excessivo poder do “soberano” era substituído por algo mais administrativo. Por cá, em pleno século XXI, o “regime penal” é pecuniário e cada vez mais afoito. Mas tem marca e de mão fechada.
Temporariamente resignado com a imposição, do transitório absolutismo municipal socialista, e temendo uma asfixia tributária que vai sobrecarregando os rendimentos do trabalho; querendo de igual modo ser um “cidadão exemplar” no “especial” desígnio da conquista de mais uma Capital para Guimarães, sensibilizei a “patroa” a enveredarmos pelas “velhinhas e ecológicas” fraldas de pano ao invés das descartáveis. Debalde. Diz ela que gastaríamos mais água e que esse bem é cada vez mais escasso e precioso. Como os euros cá de casa, digo eu!
Bem Vistas as coisas, é preciso que se diga em Santa Clara que, ao lixo o que é do lixo e à política o que é da política. De contrário conspurcamos a segunda com o primeiro; e sem darmos conta – apesar do excesso de vigilância.