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Foto do escritorOrlando Coutinho

De Mont Pèlerin a Varsóvia.



Portugal vive, por estes dias, um momento histórico na sua evolução democrática.

Fez sexta – feira 40 anos o célebre debate entre Soares e Cunhal em que o primeiro de forma muito clara disse que o propósito principal do PCP era introduzir uma ditadura em Portugal de tipo “social fascista” para usar termos do próprio e muito recentemente trazidos à baila, de novo, pelo MRPP.

O acordo que se anuncia entre as forças de esquerda no parlamento para a formação de um governo de iniciativa do PS faz crer que o Partido de Cunhal não é hoje o mesmo do tempo em que negavam Soares << olhe que não>> para mais tarde “engolir o sapo” e elegê-lo para a Presidência da República.

A confirmar-se um governo de esquerda – no quadro parlamentar - após a vitória da direita sem maioria, será um virar de página que terá um interesse elevadíssimo, acompanhar, do ponto de vista da Filosofia e da Ciência Política. Da segunda, porque nunca antes se houvera experimentado – se contabilizarmos os períodos de estabilidade democrática – um governo formado pelo principal derrotado das eleições, que encontra “tábua de salvação” nos partidos que sistematicamente buscam parte do seu eleitorado mais à esquerda. Da primeira, porque – teoricamente – estamos perante uma evolução no quadro das ideias políticas que pressupõe uma junção consistente das “esquerdas”. Em qualquer caso, por mais que se discuta a legitimidade representativa do eventual novo governo, a constitucionalidade estará assegurada e daí a originalidade que interessa acompanhar, isto porque, se a soma aritmética é certa, há algo indefinível politicamente, que quase nos transportaria ao segundo dos teoremas da incompletude de Godel.

É pois difícil de crer que, o Partido Comunista Português, o verdadeiro impulsionador desta solução a que Costa se agarrou, tenha abdicado da sua “espinha dorsal” ideológica pela simples vontade de ver um Partido dito Socialista que, para os mais ortodoxos pensadores, há muito que é social – democrata e que o PC apelida sem agravo de “direita”.

Os efeitos da política de ajustamento, trazida por um programa de assistência financeira verdadeiramente leonino, acentuaram algumas desigualdades sociais que a esquerda mais ortodoxa imputa, sem apelo, aos partidos do ainda Governo.

Ao afirmar como “sem alternativa” determinado tipo de medidas aplicadas, os partidos da Coligação, moveram – ainda que sem intenção – as “placas tectónicas” das diferentes ideologias e empurram a esquerda para um discurso mais “acintoso”. Daí que eu não seja um “crente” nesta “reconversão comunista” em moderações que visem o sentido de Estado para a formação de uma alternativa política estável para o país. Quem ouviu Jerónimo de Sousa dizer com todas as letras esta semana na televisão que se afirmava como Marxista-leninista; e quem viu hoje o Comité Central aprovar por unanimidade o apoio a um governo de iniciativa do PS, percebe que algo está por trás da cortina. E esse “algo” é no meu entendimento uma leitura do PCP que este Governo é de uma direita sem par no quadro democrático do pós 25 de Abril.

E a fazer fé que é este o entendimento do PCP o apoio a um governo PS é meramente instrumental para afastar a Coligação do poder e obrigar o PS a guinar à esquerda. Mas tudo isto é parte de um processo mais ambicioso que é o fim último de qualquer verdadeiro Partido Comunista: o poder total.

Foi exatamente por isto que me lembrei de Popper. Alguém que filosoficamente militou no comunismo austríaco, para mais tarde ser um defensor de um liberalismo mais clássico, fundador da Sociedade Mont Pèlerin.

Este filósofo, que “provou” as agruras da militância comunista, não deixou mais de objetivar os perigos de filosofias intolerantes. Na sua obra com dois volumes (obrigatória) “A sociedade aberta e os seus inimigos”, sustenta:

<<A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada, mesmo para aqueles que são intolerantes, e se não estamos preparados para defender uma sociedade tolerante contra o ataque dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos e tolerância com eles>> ; <<Devemos, portanto, reivindicar, em nome da tolerância, o direito de não tolerar os intolerantes>> ; <<Esta formulação, não implica que devemos sempre suprimir as filosofias intolerantes, contanto que possamos combatê-las por argumentos racionais e mantê-las sob controle pela opinião pública.>>

O que resta saber é até que ponto, esta inédita solução política - colocará “intolerantes” no poder sob a capa de um socialismo democrático; ou se faz sentido presumir que não é falacioso o raciocínio permanente da esquerda mais radical, que o Governo que cessará funções teve uma “perigosa” deriva à (nova) direita <<muito para além da Troika>>…

Mas o modo como os discursos – de parte a parte – se têm radicalizado, nas “falanges”, leva-me a inferir que as ditas “placas tectónicas” ainda não se acomodaram e que o seu movimento recente abriu uma cratera ao centro político a ponto de o deixar “órfão”.

Bem Vistas as Coisas, estamos num cenário que pode indiciar a perda do chamado centro político. É um bom espaço para a Democracia – Cristã crescer e ganhar força. Porque balsamiza a mão invisível de Adam Smith e trava derivas intolerantes à esquerda e à direita.


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